sábado, 23 de janeiro de 2010

Tapete Vermelho

Minha historia é cinematograficamente depressiva, mas não quero falar sobre ela, meu desejo nesse momento ilustre é apenas conversar com as paredes e objetos desse local. Para entender um homem pardo, alto e magro, de olhos cansados e com voz rouca, provavelmente com a saúde debilitada pelas extravagancias da boemia, somente um terapeuta, mas não quero ser compreendido, então dispenso uma consulta no momento.

Entre os objetos desse espaço que me encontro, o que me causa mais medo é o bendito espelho, ele é grande e antigo, com bordas douradas e bem trabalhadas, não parecia ser feito em industria, mas sim por um grande artista.

Confesso que sempre tive medo de confrontá-lo, sua imensidão revela todo meu corpo frágil e esquelético, mas hoje vou encará-lo e será agora.

Confrontando o espelho na parede desta sala fúnebre, posso observar as minhas marcas, cicatrizes e desinteresse, causadas pela falta de mim mesmo.

Mesmo ao olhar com olhos sem força, posso ver no reflexo do vidro meus cabelos cãs. O espelho me mostra a verdade sem pejo, não teme revelar minha face de casmurro e apresentar meu estado abaçanado.

É duro ver o homem dentro do vidro, as lembranças ruins parecem mais fortes e intensas, elas sufocam meus dias de glória, não consigo controlar minha angústia, penso em chorar, mas não faço isso, vou até a estante com passos contados para pegar minha fuga mental e emocional.

Olho para garrafa fixamente, porém há algo mais que chama, então, de soslaio percebo que existe um copo ao alcance de minha mão esquerda, é um sinal.

Pálido, fusco e baço, penso em mergulhar sem equipamentos no oceano profundo, tomado da fúria mais perversa do álcool. Entono com minhas ânsias entrei no mar negro sem saber nadar. Nunca fui bom em controlar a bebida, por isso, na maioria das vezes nem lembro das noites de farra e embriagues.

Não preciso de gelo, prefiro puro e amargo. Os goles são violentos, a cada compasso do meu coração, percebo minha alteração de humor, parece que meu sangue já está corrompido e o cérebro se encontra cada vez mais confuso e afetado pelo Whisky.

As horas passam, o tempo passa e tudo está cada vez mais diferente, posso ver que a garrafa já não tem a mesma cor. Com vontade fraca, tonto e ébrio, somente observo meu cavalo branco, agora seco e ausente jogado no canto da sala, fazendo contraste com o tapete vermelho. Em menos de uma hora, meu caro e envelhecido cavalo está sem uma gota de sangue em seu conteúdo. Vejo com olhar de pré-ressaca, lamento com olhos de alcoólatra, e penso sobre minha própria vontade; quanta sede seca podemos sentir quando queremos afogar os pensamentos antigos.

Bêbado não vejo problema em ensimesmar-me, nesse estado é fácil meter-se comigo mesmo, além de tudo sou entono, ou seja, orgulhoso e arrogante.

Percebo que falta algo nesta sala, quem sabe não seria uma bela mulher? Talvez não, quero ficar só com meus botões. Uma música talvez me desperte sentimentos adormecidos, a musica sempre tem mais poder na mente de um cara ferido pelas doses. Então, sem mais pensar é isso que faço. Arrasto-me até o controle remoto para dar o play, nem mesmo lembro qual é a primeira música que está no pen-drive, porém isso não tem importância, deixo a escolha nas mãos do destino.

Após tocar o botão com minha mão cansada e trêmula, escuto uma voz marcante, poética e feminina. Após uma masturbação mental, se passou doze horas até esse momento, nada poderia ser mais perfeito, como os marinheiros que são enfeitiçados com o canto da sereia, meus ouvidos alcoolizados são seduzidos pela voz de Bethânia.

A cada verso da bela música, sinto minha alma mais leve, escuto todas as faixas que minhas forças permitem, é tão lindo, algo puro e apaixonante. Nada mais importa, estou em harmonia com as paredes, os objetos e com o ar, nem mesmo a ressaca de amanhã vai me fazer mal. Canto sem saber cantar, danço sem saber dançar e curto o porre desse momento, penso que nesse instante, nem sei por que estava deprimido.

Com o caminhar do destino a música está cada vez mais lenta, mais baixa, já não canto, minhas pernas não bailam, mas como poderiam? Me encontro em pré-desmaio estirado no tapete vermelho, neste caso, só resta-me dormir e sonhar com algo que provavelmente não lembrarei ao acordar, olho no relógio com extrema dificuldade, parece ser agora quatro e treze da madrugada, boa noite...